POPULISMOS,
AMEAÇAS E SOMBRAS SOBRE O FUTURO
Assistimos, neste início de século,
a um fenómeno generalizado e irreversível, em relação ao qual sobram dúvidas
quanto às suas reais consequências para os povos, até onde alastrará, como e
quando será contido e ultrapassado. Refiro-me à proliferação de regimes
neo-fascistas de cariz populista, associada à ascensão de ideologias racistas e
xenófobas caucionadas pela direita radical, tradicionalmente próxima desses
regimes. O fenómeno, variando em forma e intensidade, tem-se instalado em
países como os Estados Unidos, a Rússia, a Itália, a Hungria, as Filipinas, a
Turquia, a Arábia Saudita e tantos outros e ameaça países como o Reino Unido, a
França, a Alemanha, a Holanda e muitos mais.
Por estes dias, o fenómeno está a
chegar ao Brasil. Efetivamente, o povo brasileiro parece não querer libertar-se
do estigma político dos países latino-americanos e volta a mergulhar num modelo
de regime ditatorial a que muito raramente algum desses países escapou nos
últimos cem anos e a que o Brasil também esteve sujeito entre 1964 e 1985. A
maior parte das ditaduras impõe-se através de golpes militares, como fizeram
Pinochet no Chile ou Franco em Espanha, ou através de revoluções, como fizeram
os bolcheviques na Rússia, ou Mao Tse tung na China. No entanto, sobram
exemplos, na História recente, de regimes autoritários resultantes de eleições
mais ou menos livres, sendo o caso mais conhecido o do próprio Hitler. Relativamente
ao Brasil, tudo leva a crer que, cansados de uma democracia com apenas 30 anos,
uma maioria significativa de brasileiros tenha decidido trocá-la por promessas
de um justicialismo que não passa de uma aplicação arbitrária da lei e de um
securitarismo que se limita a combater a violência com mais violência, criando
uma espiral de violência gratuita, sendo ambos absolutamente contrários aos
valores e práticas da democracia e do estado de direito.
A eleição de Bolsonaro é, pois,
claramente, um sinal dos tempos que vivemos. Aliás, a forma como chega ao poder
é, em alguns aspetos, muito semelhante à de Trump. Tal como ele, parte muito
atrás: um ano antes das eleições, ninguém vaticinaria a sua vitória. Tal como
ele, recorre às redes sociais como instrumento principal de campanha e à
manipulação do eleitorado mediante a criação e divulgação sistemática de notícias
falsas. Tal como ele, apresenta-se com um discurso populista, limitado aos
lugares comuns mais simplistas e prometendo a moralização da atividade política.
Mais do que ele, ameaça todos os que ousarem colocar-se no seu caminho com um
discurso carregado de ódio. Tomando estes factos como premissas, podemos
facilmente concluir que, tal como Trump frustrou as expectativas dos que não
acreditavam que ele cumprisse as ameaças que semeou a esmo, também os
brasileiros podem estar cientes de que Bolsonaro cumprirá, seguramente
excederá, as ameaças que tem vindo a proferir com a maior desfaçatez e
impunidade. É por isso que os brasileiros, todos, mesmo os que votaram nele por
convicção, podem e devem estar muito preocupados. Ele e a sua “tropa” vão
cumprir as ameaças. Se o Supremo Tribunal impugnar a sua eleição, nem será
preciso mandar tropas para o fechar, diz um dos seus filhos: basta um soldado e
um cabo. Através de um vídeo, perante milhares de apoiantes em comício,
Bolsonaro vocifera: “A faxina agora será muito mais ampla. Ou vão pra fora ou
vão pra cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria. A
petralhada vai ser varrida”. O chorrilho de ameaças é infindável, cada uma mais
execrável do que a outra. Duvidar, um pouquinho que seja, que este ex-militar,
em tempos afastado da instituição por ser acusado de planear ataques
terroristas, vai cumprir estas promessas, ou é ingenuidade ou pura estupidez.
Como também o será acreditar que poderá alguma vez moralizar seja o que for na
política alguém que viveu sempre de cargos políticos e à custa deles passou de
pé descalço para dono de uma fortuna muito considerável. No caminho até se
tornarem multimilionários reside, aliás, uma das diferenças entre Bolsonaro e
Trump. No entanto, a diferença entre eles que mais deve preocupar os
brasileiros tem a ver com os próprios países. Os Estados Unidos têm uma
democracia bicentenária, com uma tradição enraizada de separação de poderes e
mecanismos eficazes de controlo institucional; o Brasil tem uma democracia
imberbe e mal consolidada, em que os poderes se imiscuem e promiscuem, como
ficou provado na forma como Dilma Rousseff foi afastada e como supostos
corruptos com poder condenam supostos corruptos apeados do poder. Os Estados
Unidos têm um sistema partidário consolidado que garante uma oposição forte e que
se apresenta sempre como alternativa real à tomada de poder; o Brasil tem um
sistema partidário caótico com partidos da direita e do centro, populares e
liberais, alguns com bastante expressão eleitoral no passado recente, mas que
praticamente desapareceram do mapa e capitularam a favor de Bolsonaro. Nestas
condições, para se tornar um ditador, basta ao novo presidente meter o PT na
cadeia, como ameaçou, pois a direita e o centro já ele tem no bolso e conta com
o importante apoio das várias igrejas: católica, evangélica e outras de menor
dimensão como a IURD.
Perante este cenário, e sem querer
ser catastrofista, a democracia brasileira corre sérios riscos de se
transformar numa ditadura terceiro-mundista. Sendo as eleições livres a
expressão máxima da democracia, será que os brasileiros poderão voltar a
usufruir delas nas próximas décadas?
José Júlio Campos
jjfcampos@hotmail.com
pensarnotempo.blogspot.com